Boletim da Santa Sé
(Tradução: Jéssica Marçal-equipe CN Notícias)
Caros irmãos e irmãs,
Estamos na vigília do dia em que celebraremos os 50 anos da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II e início do Ano da Fé. Com esta Catequese gostaria de começar a refletir – com alguns breves pensamentos – sobre o grande evento da Igreja que foi o Concílio, evento do qual sou testemunha direta. Isso, por assim dizer, nos aparece como um grande afresco, pintado em sua grande multiplicidade e variedade de elementos, sob a orientação do Espírito Santo. E como diante de um grande quadro, daquele momento de graça continuamos também hoje a colher a sua extraordinária riqueza, a redescobrir passagens especiais, fragmentos, entalhes.
O Beato João Paulo II, no limiar do terceiro milênio, escreveu: “Sinto mais do que nunca o dever de apontar o Concílio como a grande graça da qual a Igreja se beneficiou no século XX: nisso nos é oferecido uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que se abre” (Lett. ap. Novo millennio ineunte, 57). Penso que esta imagem seja eloquente. Os documentos do Concílio Vaticano II, aos quais é preciso retornar, removendo-os de uma massa de publicações que sempre em vez de fazê-los conhecer os tem escondido, são, também para o nosso tempo, uma bússola que permite ao navio da Igreja proceder em mar aberto, em meio à tempestade ou onde é calmo e tranquilo, para navegar segura e chegar à meta.
Eu recordo bem aquele período: era um jovem professor de teologia fundamental na Universidade de Bonn, e foi o arcebispo de Colônia, o Cardeal Frings, para mim um ponto de referência humana e sacerdotal, que me levou consigo a Roma como seu teólogo consultor; depois fui também nomeado perito conciliar. Para mim foi uma experiência única: depois de todo o fervor e entusiasmo da preparação, pude ver uma Igreja viva – quase três mil Padres conciliares de todas as partes do mundo reunidos sob a orientação do Sucessor do Apóstolo Pedro – que se coloca na escola do Espírito Santo, o verdadeiro motor do Concílio. Raramente na história foi possível, como então, quase “tocar” concretamente a universalidade da Igreja em um momento de grande realização de sua missão de levar o Evangelho em todo tempo e até os confins da terra. Nestes dias, poderemos rever as imagens da abertura dessa grande assembleia através da televisão ou dos outros meios de comunicação, poderão perceber também vocês a alegria, a esperança e o encorajamento que deu a todos nós o tomar parte deste grande evento de luz, que se irradia até hoje.
Na história da Igreja, como vocês sabem, vários Concílios antecederam o Vaticano II. Geralmente estas grandes Assembleias eclesiais foram convocadas para definir elementos fundamentais da fé, sobretudo corrigindo erros que a colocavam em perigo. Pensemos no Concílio de Niceia em 325, para contrastar a heresia ariana e confirmar com clareza a divindade de Jesus Filho Unigênito de Deus Pai; ou aquele de Éfeso, de 431, que chamou Maria como Mãe de Deus; ou aquele de Calcedônia, de 451, que afirmou a única pessoa de Cristo em duas naturezas, a natureza divina e a humana. Para vir mais próximo a nós, devemos citar o Concílio de Trento, no século XVI, que esclareceu os pontos essenciais da doutrina católica diante da Reforma protestante; ou o Vaticano I, que começou a refletir sobre vários temas, mas teve tempo de produzir somente dois documentos, um cobre o conhecimento de Deus, a revelação, a fé e as relações com a razão e outro sobre a primazia do Papa e sobre a infalibilidade, porque foi interrompido pela ocupação de Roma em setembro de 1870.
Se olhamos para o Concílio Ecumênico Vaticano II, vemos que naquele momento do caminho da Igreja não havia erros particulares de fé para corrigir ou condenar, nem houve questões específicas de doutrina ou de disciplina a serem esclarecidas. Pode-se compreender então a surpresa do pequeno grupo de cardeais presentes na sala capitular do mosteiro beneditino em São Paulo Fora dos Muros, quando, em 25 de janeiro de 1959, o Beato João XXIII anunciou o Sínodo diocesano em Roma e o Concílio para a Igreja Universal. A primeira questão que se colocou na preparação deste grande evento foi o próprio modo de começá-lo, quais tarefas atribuir-lhe. O Beato João XXIII, no discurso de abertura, em 11 de outubro há 50 anos, deu uma indicação geral: a fé devia falar de modo “renovado”, mais incisivo – porque o mundo estava mundando rapidamente – mantendo porém intactos os seus conteúdos perenes, sem falhas ou compromissos. O Papa desejava que a Igreja refeltisse sobre a sua fé, sua verdade que a guia. Mas desta séria e profunda reflexão sobre a fé precisava ser delineado de modo novo a relação entre a Igreja e a idade moderna, entre o Cristianismo e certos elementos essenciais do pensamento moderno, não para estar em conformidade com esses, mas para apresentar a este nosso mundo, que tende a afastar-se de Deus, o ensinamento do Evangelho em toda a sua grandeza e em toda a sua pureza (cfr Discurso à Cúria Romana pelos cumprimento natalinos, 22 de dezembro de 2005). Indica-o muito bem o Servo de Deus Paulo VI na homilia no fim da última sessão do Concílio – em 7 de dezembro de 1965 – com palavras extraordinariamente atuais, quando afirma que, para avaliar adequadamente este evento: “deve ser observado no tempo em que se verificou. De fato – diz o Papa – ocorreu em um momento em que, como todos reconhecem, os homens estão voltados ao reino da terra em vez de estarem voltados ao reino dos céus; um tempo, acrescentamos, em que o esquecimento de Deus se faz habitual, o progresso científico quase o sugere; um tempo em que o ato fundamental da pessoa humana produz mais consciência de si e da própria liberdade, tende a afirmar a própria autonomia absoluta, emancipando-se de toda a lei transcendente; um tempo em que o “laicismo” é considerado a consequência legítima do pensamento moderno e a norma mais sábia para a ordenação temporal da sociedade... Neste tempo é celebrado o nosso Concílio em louvor a Deus, em nome de Cristo, inspirador do Espírito Santo”. Como Paulo VI. E concluiu indicando na questão de Deus o ponto central do Concílio, aquele Deus, que “existe realmente, vive, é uma pessoa, é providente, é infinitamente bom; de fato, não só bom em si mesmo, mas bom imensamente para nós, é nosso Criador, nossa verdade, nossa felicidade, a tal ponto que o homem, quando esforça para fixar a mente e o coração em Deus na contemplação, realiza o ato mais alto e cheio de sua alma, o ato que ainda hoje pode e deve ser o culminar de inúmeros campos da atividade humana, a partir do qual eles recebem a sua dignidade” (AAS 58 [1966], 52-53).
Nós vemos como o tempo em que vivemos continua a ser marcado pelo esquecimento e surdez a Deus. Penso, então, que precisamos aprender a lição mais simples e mais fundamental do Concílio e isso é que o Cristianismo na sua essência consiste na fé em Deus, que é Amor trinitário, e no encontro pessoal e comunitário com Cristo, que orienta e conduz a vida. Tudo o mais é conseqüência. A coisa importante hoje, próprio como era no desejo dos Padres conciliares, é que se veja – de novo, com clareza – que Deus é presente, nos interessa, nos responde. E que, no entanto, quando falta fé em Deus, cai o que é essencial, porque o homem perde a sua dignidade profunda e o que o torna grande sua humanidade, contra cada reducionismo. O Concílio nos recorda que a Igreja, em todos os seus componentes, tem a tarefa de transmitir a palavra de amor do Deus que salva, para que seja ouvida e acolhida a chamada divina que contêm em si nossa felicidade eterna.
Olhando nessa perspectiva para a riqueza contida nos documentos do Vaticano II, quero apenas nomear as quatro Constituições, quase os quatro pontos cardeais da bússola capaz de nos orientar. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia “Sacrosanctum Concilium” nos indica como na Igreja desde o início tem a adoração, tem Deus, tem a centralidade do mistério da presença de Cristo. E a Igreja, corpo de Cristo e povo peregrino no tempo, tem como tarefa fundamental glorificar Deus, como exprime a Constituição Dogmática “Lumen Gentium”. O terceiro documento que desejo citar é a Constituição sobre a divina Revelação “Dei Verbum”: a Palavra viva de Deus convoca a Igreja e a vivifica ao longo de todo seu caminho na história. E o modo no qual a Igreja leva ao mundo inteiro a luz que recebeu de Deus para que seja glorificado, é o tema de fundo da Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”.
O Concílio Vaticano II é para nós um forte apelo para redescobrir a cada dia a beleza de nossa fé, a conhecê-la profundamente para uma relação mais intensa com o Senhor, a viver até o fundo nossa vocação cristã. A Virgem Maria, Mãe de Cristo e de toda a Igreja, nos ajude a realizar e a cumprir o que os Padres Conciliares, animados pelo Espírito Santo, guardavam no coração: o desejo que todos possam conhecer o Evangelho e encontrar o Senhor Jesus como caminho, verdade e vida. Obrigado.
Estamos na vigília do dia em que celebraremos os 50 anos da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II e início do Ano da Fé. Com esta Catequese gostaria de começar a refletir – com alguns breves pensamentos – sobre o grande evento da Igreja que foi o Concílio, evento do qual sou testemunha direta. Isso, por assim dizer, nos aparece como um grande afresco, pintado em sua grande multiplicidade e variedade de elementos, sob a orientação do Espírito Santo. E como diante de um grande quadro, daquele momento de graça continuamos também hoje a colher a sua extraordinária riqueza, a redescobrir passagens especiais, fragmentos, entalhes.
O Beato João Paulo II, no limiar do terceiro milênio, escreveu: “Sinto mais do que nunca o dever de apontar o Concílio como a grande graça da qual a Igreja se beneficiou no século XX: nisso nos é oferecido uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que se abre” (Lett. ap. Novo millennio ineunte, 57). Penso que esta imagem seja eloquente. Os documentos do Concílio Vaticano II, aos quais é preciso retornar, removendo-os de uma massa de publicações que sempre em vez de fazê-los conhecer os tem escondido, são, também para o nosso tempo, uma bússola que permite ao navio da Igreja proceder em mar aberto, em meio à tempestade ou onde é calmo e tranquilo, para navegar segura e chegar à meta.
Eu recordo bem aquele período: era um jovem professor de teologia fundamental na Universidade de Bonn, e foi o arcebispo de Colônia, o Cardeal Frings, para mim um ponto de referência humana e sacerdotal, que me levou consigo a Roma como seu teólogo consultor; depois fui também nomeado perito conciliar. Para mim foi uma experiência única: depois de todo o fervor e entusiasmo da preparação, pude ver uma Igreja viva – quase três mil Padres conciliares de todas as partes do mundo reunidos sob a orientação do Sucessor do Apóstolo Pedro – que se coloca na escola do Espírito Santo, o verdadeiro motor do Concílio. Raramente na história foi possível, como então, quase “tocar” concretamente a universalidade da Igreja em um momento de grande realização de sua missão de levar o Evangelho em todo tempo e até os confins da terra. Nestes dias, poderemos rever as imagens da abertura dessa grande assembleia através da televisão ou dos outros meios de comunicação, poderão perceber também vocês a alegria, a esperança e o encorajamento que deu a todos nós o tomar parte deste grande evento de luz, que se irradia até hoje.
Na história da Igreja, como vocês sabem, vários Concílios antecederam o Vaticano II. Geralmente estas grandes Assembleias eclesiais foram convocadas para definir elementos fundamentais da fé, sobretudo corrigindo erros que a colocavam em perigo. Pensemos no Concílio de Niceia em 325, para contrastar a heresia ariana e confirmar com clareza a divindade de Jesus Filho Unigênito de Deus Pai; ou aquele de Éfeso, de 431, que chamou Maria como Mãe de Deus; ou aquele de Calcedônia, de 451, que afirmou a única pessoa de Cristo em duas naturezas, a natureza divina e a humana. Para vir mais próximo a nós, devemos citar o Concílio de Trento, no século XVI, que esclareceu os pontos essenciais da doutrina católica diante da Reforma protestante; ou o Vaticano I, que começou a refletir sobre vários temas, mas teve tempo de produzir somente dois documentos, um cobre o conhecimento de Deus, a revelação, a fé e as relações com a razão e outro sobre a primazia do Papa e sobre a infalibilidade, porque foi interrompido pela ocupação de Roma em setembro de 1870.
Se olhamos para o Concílio Ecumênico Vaticano II, vemos que naquele momento do caminho da Igreja não havia erros particulares de fé para corrigir ou condenar, nem houve questões específicas de doutrina ou de disciplina a serem esclarecidas. Pode-se compreender então a surpresa do pequeno grupo de cardeais presentes na sala capitular do mosteiro beneditino em São Paulo Fora dos Muros, quando, em 25 de janeiro de 1959, o Beato João XXIII anunciou o Sínodo diocesano em Roma e o Concílio para a Igreja Universal. A primeira questão que se colocou na preparação deste grande evento foi o próprio modo de começá-lo, quais tarefas atribuir-lhe. O Beato João XXIII, no discurso de abertura, em 11 de outubro há 50 anos, deu uma indicação geral: a fé devia falar de modo “renovado”, mais incisivo – porque o mundo estava mundando rapidamente – mantendo porém intactos os seus conteúdos perenes, sem falhas ou compromissos. O Papa desejava que a Igreja refeltisse sobre a sua fé, sua verdade que a guia. Mas desta séria e profunda reflexão sobre a fé precisava ser delineado de modo novo a relação entre a Igreja e a idade moderna, entre o Cristianismo e certos elementos essenciais do pensamento moderno, não para estar em conformidade com esses, mas para apresentar a este nosso mundo, que tende a afastar-se de Deus, o ensinamento do Evangelho em toda a sua grandeza e em toda a sua pureza (cfr Discurso à Cúria Romana pelos cumprimento natalinos, 22 de dezembro de 2005). Indica-o muito bem o Servo de Deus Paulo VI na homilia no fim da última sessão do Concílio – em 7 de dezembro de 1965 – com palavras extraordinariamente atuais, quando afirma que, para avaliar adequadamente este evento: “deve ser observado no tempo em que se verificou. De fato – diz o Papa – ocorreu em um momento em que, como todos reconhecem, os homens estão voltados ao reino da terra em vez de estarem voltados ao reino dos céus; um tempo, acrescentamos, em que o esquecimento de Deus se faz habitual, o progresso científico quase o sugere; um tempo em que o ato fundamental da pessoa humana produz mais consciência de si e da própria liberdade, tende a afirmar a própria autonomia absoluta, emancipando-se de toda a lei transcendente; um tempo em que o “laicismo” é considerado a consequência legítima do pensamento moderno e a norma mais sábia para a ordenação temporal da sociedade... Neste tempo é celebrado o nosso Concílio em louvor a Deus, em nome de Cristo, inspirador do Espírito Santo”. Como Paulo VI. E concluiu indicando na questão de Deus o ponto central do Concílio, aquele Deus, que “existe realmente, vive, é uma pessoa, é providente, é infinitamente bom; de fato, não só bom em si mesmo, mas bom imensamente para nós, é nosso Criador, nossa verdade, nossa felicidade, a tal ponto que o homem, quando esforça para fixar a mente e o coração em Deus na contemplação, realiza o ato mais alto e cheio de sua alma, o ato que ainda hoje pode e deve ser o culminar de inúmeros campos da atividade humana, a partir do qual eles recebem a sua dignidade” (AAS 58 [1966], 52-53).
Nós vemos como o tempo em que vivemos continua a ser marcado pelo esquecimento e surdez a Deus. Penso, então, que precisamos aprender a lição mais simples e mais fundamental do Concílio e isso é que o Cristianismo na sua essência consiste na fé em Deus, que é Amor trinitário, e no encontro pessoal e comunitário com Cristo, que orienta e conduz a vida. Tudo o mais é conseqüência. A coisa importante hoje, próprio como era no desejo dos Padres conciliares, é que se veja – de novo, com clareza – que Deus é presente, nos interessa, nos responde. E que, no entanto, quando falta fé em Deus, cai o que é essencial, porque o homem perde a sua dignidade profunda e o que o torna grande sua humanidade, contra cada reducionismo. O Concílio nos recorda que a Igreja, em todos os seus componentes, tem a tarefa de transmitir a palavra de amor do Deus que salva, para que seja ouvida e acolhida a chamada divina que contêm em si nossa felicidade eterna.
Olhando nessa perspectiva para a riqueza contida nos documentos do Vaticano II, quero apenas nomear as quatro Constituições, quase os quatro pontos cardeais da bússola capaz de nos orientar. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia “Sacrosanctum Concilium” nos indica como na Igreja desde o início tem a adoração, tem Deus, tem a centralidade do mistério da presença de Cristo. E a Igreja, corpo de Cristo e povo peregrino no tempo, tem como tarefa fundamental glorificar Deus, como exprime a Constituição Dogmática “Lumen Gentium”. O terceiro documento que desejo citar é a Constituição sobre a divina Revelação “Dei Verbum”: a Palavra viva de Deus convoca a Igreja e a vivifica ao longo de todo seu caminho na história. E o modo no qual a Igreja leva ao mundo inteiro a luz que recebeu de Deus para que seja glorificado, é o tema de fundo da Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”.
O Concílio Vaticano II é para nós um forte apelo para redescobrir a cada dia a beleza de nossa fé, a conhecê-la profundamente para uma relação mais intensa com o Senhor, a viver até o fundo nossa vocação cristã. A Virgem Maria, Mãe de Cristo e de toda a Igreja, nos ajude a realizar e a cumprir o que os Padres Conciliares, animados pelo Espírito Santo, guardavam no coração: o desejo que todos possam conhecer o Evangelho e encontrar o Senhor Jesus como caminho, verdade e vida. Obrigado.
Fonte: CançãoNova.com
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