Sempre gostei de passear à beira-mar. Sentir o sol, o mar, a areia e a brisa que refresca nos dias quentes. Depois da minha conversão tornou-se um lugar especial. É certo que a minha vida não permite passear tanto como queria. Afinal tenho a minha comunidade, a minha cela, os meus sermões, as pessoas que me procuram... Mas preciso da beira-mar. Sobretudo quando tenho mais dificuldades. Sempre fui um homem de estudo, primeiro profano, agora religioso. E, quer queiramos quer não, as coisas de Deus são mais fáceis de viver do que entender. E há lugares escondidos onde a minha mente nunca chegará.
Mas a história que vos quero contar passou-se, exactamente, à beira-mar.
Pediram-me que escrevesse sobre o mistério da Santíssima Trindade. Um pedido exigente mas necessário. As heresias andam por aí e não podemos deixar que elas alastrem. Isto de andar a dizer que temos três deuses, ou que o Filho ao encarnar deixou de ser Deus não se pode admitir. Percebi que seria uma empresa muito difícil. No entanto aceitei o desafio. Afinal, apesar de ser um cristão tardio tinha tido um bom mestre que me ajudou na conversão e que me tinha dado mais do que o suficiente para poder fortalecer a minha fé. Comecei a ler o pouco que já havia sobre o tema. As Escrituras não diziam muito, a literatura era de difícil entendimento. Como explicar que há um só Deus em três pessoas distintas...
Pus-me a caminho da praia para andar um pouco, para meditar melhor, para começar a alinhavar ideias. Era um dia de outono, ninguém na praia. Lia e meditava. Entretanto dou-me conta de um menino que estava a brincar, sozinho, na praia. Tinha feito um buraco na areia e estava a tentar enchê-lo com a água do mar. Ia e vinha, sempre a correr, nesta tarefa impossível. Fiquei a observá-lo até que, às tantas, interrompi-o:
- Olha lá, meu menino, o que é que estás a fazer?
Ele respondeu-me:
- Olá. Estou a tentar meter a água do mar neste buraco de areia.
Ri-me. Depois pus-me a explicar-lhe que isso era impossível porque a areia é um terreno permeável e que a água vai desaparecer sempre e, portanto, não valia a pena continuar a esforçar-se porque não ia dar em nada.
E o menino responde-me:
- Olha, sabes uma coisa? É mais fácil eu meter neste buraco toda a água do mar do que tu conseguires penetrar no mistério da Santíssima Trindade.
E desapareceu. Percebi então que aquele Menino era Jesus, o meu Deus, e que ele me queria dizer que não há outro caminho senão Ele para poder chegar à Santíssima Trindade. Fui para casa e comecei a escrever em letra humana um mistério divino.